sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Entrevista: Maestro Spok, da Spok Frevo Orquestra



 
Foto: Cátia Regina
Tímido, de fala mansa, cordial e gentil. Organizando o tempo entre uma entrevista e outra, ele atende a todos. Um a um, com toda sua simpatia pernambucana. Este seria outro dos seus adjetivos, pernambucano. Em toda sua fala, deixa claro o orgulho de ser "um leão do norte". A mistura de sons, as turnês internacionais, os atuais e futuros trabalhos, são alguns dos assuntos que o maestro Spok aborda aborda nessa entrevista. 

Como surgiu a ideia de juntar o jazz com o frevo?

Na verdade, não ouve uma intenção de misturar o frevo com o jazz. E eu até entendo que a gente faz Jazz, mas jazz no sentido de liberdade de expressão, não no sentido de música americana. Porque para mim, o jazz já deixou de ser música americana há muito tempo. Então a gente faz um frevo onde os músicos tem uma liberdade de expressão. E essa vontade veio porque nós nascemos e nos criamos nas ruas e ladeiras de Recife e Olinda. E por tocarmos nas ruas. A dança e a folia, a manifestação de carnaval sempre esteve à frente da música. A música acaba sendo uma trilha sonora para que as pessoas possam pular e se divertir. Eu amo tocar nas ruas, amo tocar paras as pessoas pularem e se divertirem, principalmente para as pessoas daqui, de Pernambuco e da minha cidade que é Recife. Mas, é como músico que eu falo, isso sempre me incomodou. As pessoas não prestarem atenção no que a gente tá tocando. Mas de alguns anos pra cá, tem sido  sensacional, também como músicos, a gente tocar essa mesma música que tocam nas ruas, para as pessoas dos palcos, nos teatros consagrados do Brasil e do mundo. As pessoas acabam falando que esse frevo que a gente toca é um frevo jazzístico, e entendo no  sentido de liberdade de expressão. Só. E não por ser música americana.

De onde surgiu esse nome: Spok?

O nome Spok é de ginásio. Surgiu quando eu fazia a quinta série na minha cidade em Abreu e Lima e eu fazia isso aqui (mexe as orelhas). E eu ficava mexendo a orelha quando o professor explicava alguma coisa. E um amigo brincalhão, gaiato, sentado atrás de mim observou. E na época passava um seriado chamado “Jornada nas Estrelas” e ele disse “Ei, boy, tu só quer o Spok”. Depois disso ele passou a me chamar. E alguns amigos foram me chamando também, até que hoje posso dizer que virou meu nome.
Meu apelido passou a ser meu nome. Pois, quando estou estressado na orquestra os meninos brincam comigo dessa forma “Eita, chegou seu INALDO” que é meu nome. Então Inaldo passou a ser meu apelido. Me sinto bem, me sinto feliz. Pelo menos não deu azar. 




E como o público recebeu no início essa mistura, esse frevo diferente?

Foto: Cátia Regina
No inicio foi muito complicado com os estudiosos, os puristas de nossas músicas, por exemplo. Alguns deles não achavam que achavam que a gente estivesse fazendo frevo. E sinceramente, eu entendo todos eles. Concordo com a maioria dos questionamentos. Porém, nós temos nossas intenções com o frevo e com a música. E a gente acha sim, que faz frevo. A única diferença é que a gente faz solos e todos os arranjos são voltados para o musico solar. A nossa intenção é fazer frevo para as pessoas escutarem e não necessariamente dançarem. No carnaval a gente faz o frevo tradicional como ele é. Pois, durante o ano, fora do carnaval, a gente vem realizando esse frevo voltado para o teatro. Tanto que todo mundo se veste de paletó e gravata.
Hoje em dia é tudo mais tranquilo, apesar de eu entender e saber que eles continuam com a mesma opinião. Mas quero deixar bem claro que eles estão certos também. Mas nós temos nossos sonhos e a gente não pode deixar de tentar e corre atrás de realiza-los. E a gente vem realizando.

Quais as influências, além do jazz, da Spok Frevo?
Nós somos pernambucanos, então toda nossa influencia é da música de Pernambuco primeiro: Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Jacinto Silva, Nelson Ferreira, Livino Ferreira, Glaudionor Germano, Espedito Paracho... Toda a música de Pernambuco. Os repentistas são meus maiores ídolos, os poetas populares. Eu gostaria de ter sido um, mas Deus sabe porque não dá asa a cobra, eu acho. Então, todos eles me influenciam muito. Saindo dai, Severino Araujo, Felinho, toda a Orquestra Tabajara, orquestra Banda Mantiqueira. Saindo do Brasil, Todas as orquestras americanas: Glenn Miller, Tommy Dorsey... Mas a principal influência é Pernambucana e a musica brasileira.

Você falou em Dominguinho, ele compôs uma música que ele que está na turnê de vocês. Como se dá essa relação, vocês fazem alguma homenagem?
Eu cheguei a ficar amigo de Dominguinhos nos últimos anos de sua vida. Eu sempre fui louco para ser colega dele. E uma vez, ele precisou de mim. Ele me ligou e eu não acreditei que ele estava ligando. Foi uma emoção muito grande. Ele me pediu pra fazer um arranjo de um frevo para a filha dele, Liv Moraes.  E nós estreitamos os laços por causa disso, porque ele foi também gravar. Eu escrevi e ele gravou. A gente passou dias se falando e a gente passou a tarde inteira de gravação se falando, foram momentos especiais em minha vida. E ele ficou de participar do nosso disco, sendo que depois de alguns meses ele sempre que me via dizia “Spok cadê a gravação? cadê a gravação?”. E no momento de gravar, ele teve uma piora e foi internado e não saiu mais do hospital. E esse frevo que a gente gravou é um frevo que eu me apaixonei por ele desde o dia que o ouvi há décadas atrás. E hoje a gente realiza um sonho também de ter gravado esse frevo. Que na época que eu ouvi eu não tinha gravado e eu gostaria muito de ter gravado. E poder ter realizado isso hoje foi sensacional, poder registrar esse momento para a eternidade. Salve, salve mestre Dominguinhos!


Vocês recentemente fizeram em turnê pela Europa e foram bem conceituados pela mídia internacional, o que mudou depois desses shows?
Foto: Cátia Regina
Há cinco anos a gente sempre faz turnê pela Europa no verão. Em junho, julho, a gente vai para a Europa. Ai, no meio do ano entre junho e dezembro a gente volta e depois vai para os Estados Unidos.  Tudo isso é por causa da seriedade, porque é muito trabalho em preparar uma musica que o mundo ainda não conhece. De uns cinco anos pra cá, a gente vem ajudando que o mundo conheça esse som. As pessoas que vão para esse tipo de festa que a gente toca, são os apreciadores da musica instrumental, são os músicos, as escolas de música, os festivais que a gente participa tocando frevo e são sonhos que não param de serem realizados. Essa ultima turnê foi mais um sonho, ano que vem temos mais duas turnês confirmadas em junho e julho pela Europa em julho pelos Estados Unidos dando oficinas e workshops pelas universidades e tocando ao lado de músicos que a gente só conhecia por vídeos e tal.

Depois dessas turnês pela Europa e pelos Estados Unidos, a mídia tem reconhecido mais o trabalho de vocês, aqui, no Brasil?
Eu acredito que sim, porém o que a gente trabalha é com a musica instrumental. Então o publico ainda é restrito. Há músicos, há pesquisadores. Ainda não é um público que escuta o rádio, por exemplo. Nos não atingimos esse publico ainda. Mas dentro desse universo, dos que curtem a musica instrumental, nosso trabalho tem repercutido de uma forma muito feliz. E estar aqui hoje, por exemplo, no SESC de Petrolina, falando sobre frevo, tocando frevo,  é uma mostra disso. De que nosso trabalho está andando e as pessoas estão ouvindo e querendo entender  mais. Fico muito feliz por fazer parte desse momento. Nosso trabalho vem andando e estar aqui, fora do período de carnaval, é uma prova de que isto vem acontecendo de uma forma feliz.

O frevo ainda é muito restrito a Recife e Olinda. O que falta para o frevo se tornar uma musica do ano inteiro?
Eu posso falar com propriedade sobre musica instrumental. Eu posso te dizer que eu trabalho com frevo todos os dias da minha vida. Eu não necessariamente toco  frevo todos os dias. Mas penso em frevo todos os dias. Eu alcancei uma fase que eu só trabalhava quatro dias por ano com o frevo. E hoje é sensacional trabalhar com frevo todos os dias. Então a nossa orquestra, passa o ano inteiro trabalhando. Mas é um frevo instrumental. Porém as outras modalidades de frevo, como o frevo canção e o frevo de bloco. Eu acho que ainda, de uma forma geral, acontecem só no período de carnaval e algumas semanas antes, no período pré-carnavalesco. Porem, vários novos compositores e vários artistas andam trabalhando seriamente com essas modalidades, de frevo canção e de bloco,  para que elas possam também andarem por outros lugares e  possam ser apresentadas fora do período de carnaval. Mas isso é um processo de médio e longo prazo, não só para o frevo canção e de bloco, mas também o frevo de rua que é o frevo que a gente trabalha. E ai entra todo um sentido de escola, que aos poucos vem acontecendo.

O Nordeste é retratado muito pela mídia pelo estereótipo da pobreza e da miséria. Você fazem algum trabalho para quebrar essa visão afora do país e também no país?
O nordeste é tido como de muito folclore. Pernambuco por exemplo, é um país de muito folclore. E coloco também o frevo, o caboclinho, maracatu, a ciranda as bandas de pífano. Sempre me incomodou aquele olhar de quem é de fora, principalmente aquele olhar de folclore. Aquele olhar de “Ah que bonitinho isso, que engraçado”. Não, a gente procura fazer o nosso trabalho da forma mais séria e profissional possível para que isso não seja só bonitinho.  O  que a gente faz é música, a gente faz um trabalho muito sério. A gente ensaia muito para que isso possa acontecer. E acredito que esse trabalho sério, com o máximo de dignidade possível. Mostra um pouco para as pessoas que ninguém é coitado, ninguém é miserável, ninguém faz folclore. Tem tudo isso, mas também é uma coisa muito séria que está sendo feita. E posso dizer que de Chico Science é um divisor de águas também, com a seriedade de nossas coisas. Com a seriedade de que é possível beber do que é de fora, mas sem perder a alma e sem necessariamente fazer folclore, sem ser coitadinho ou miserável. É coisa muito séria. 

Foto: Cátia Regina


Quais os novos projetos da Spok Frevo?
Vou colocar três principais. Primeiro vou colocar o nosso disco que a gente tá lançando daqui a dois meses, “Ninho de Vespa” que é uma composição de Dori Caymmi, filho de Dorival Caymmi. Uma composição que mudou minha vida, quando ouvi uns 18 anos atrás. Me encantei por esse frevo e ele me abriu uma grande janela de possibilidades com o frevo. E a minha emoção aumentou quando ele fez uma participação especial, há uns 20 dias e mandou a participação dele dessa mesma música, “Ninho de Vespa”.  É uma composição dele com Cesar Pinheiro.  O outro projeto é o longa/doc. De 1h40            ‘ que já está editado, a gente só está finalizando cor, áudio e as legendas. “São sete corações” o nome do longa/doc. Que conta a história de sete mestres vivos do frevo, sete maestro, compositores que não tem mais as suas orquestras. A gente conseguiu reuni-los para um documentário importantíssimo para a história da música brasileira. Para você ter ideia, entre um deles há um de 91 anos, e o frevo tem oficialmente 106 anos, então são mestres que por muito pouco não fazem parte da primeira geração da história dessa música. Isso é uma coisa muito séria. Frevo que é a única música genuinamente instrumental brasileira para orquestra e é única instrumental brasileira com o choro. E isso tem muita importância. É a maior realização da minha vida até hoje.
 O outro, que é outro grande sonho, que é o Instituto Passo de Anjo. Já conseguimos comprar uma casa onde será uma escola voltada para a música, a dança, a percussão pernambucana. Queremos trabalhar 90% as coisas de Pernambuco, os mestres de Pernambuco e 10% voltada para o Nordeste.
E tem também o outro sonho que é trabalhar com o universo junino, onde  a gente vai estra lançando também no primeiro semestre do ano que vem um dvd com a orquestra Forrobodó, onde a gente tem a participação de grandes músicos brasileiros como Fagner, Elba Ramalho, Santana, Maciel Melo, Delson, Genaro... É um dvd gravado em preto e branco, muito elegante. Esses são os quatro projetos que vamos lançar ano que vem.

Giomara Damasceno

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